terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

‘INCORRIGÍVEIS’ QUEREM LEVAR BORGES A BUENOS AIRES



Desde 1986, quando morreu em Genebra, o escritor argentino Jorge Luis Borges está na plácida companhia do líder presbiteriano João Calvino e do filósofo Erasmo de Rotterdam. O trio repousa, a poucas dezenas de metros uns dos outros, sob o gramado do cemitério de Plainpalais. Borges ali jaz, embora nunca tenha escrito uma linha que ratificasse um hipotético desejo de ali ser enterrado.
No entanto, Maria Kodama-Borges - sua ex-aluna, breve esposa (esteve casada com ele no último ano de vida do escritor) e viúva há 23 anos – afirma que ele, antes de morrer, expressou que desejava ser enterrado na neutra Suíça.
Os amigos de Borges (aqueles que ainda estão vivos), em uníssono, afirmam que Georgie – como o chamavam carinhosamente – queria ser enterrado em Buenos Aires, mais especificamente, no histórico cemitério da Recoleta, no mausoléu de sua família.
Acadêmicos destacam que Borges, em vários de seus poemas deixou claro que pretendia passar o repouso eterno em La Recoleta.
Em “O Fazedor”, escreveu o verso “Quando eu esteja guardado na Recoleta / em uma casa cor de cimento”. Em “Fervor de Buenos Aires”, categoriza: “Estas coisas pensei sobre a Recoleta / o lugar de minhas cinzas”.
No entanto, prevalecia até agora a determinação da controvertida viúva, a qual os amigos de Borges chamam de “megera” (denominação utilizada pelos amigos mais moderados; outros, mais enfurecidos, aplicam epítetos não publicáveis sobre Kodama).
Eles sustentam que Kodama, que tinha a metade da idade dele na época do casamento (realizado por procuração no interior do Paraguai), aproveitou-se da velhice de Borges para “controlar sua vida”.
INCORRIGÍVEIS - No entanto, o cenário estaria a ponto de um turning point. Nesta semana os defensores de um funeral portenho para o autor de “O Aleph”, conseguiram uma ajuda inesperada, a do Partido Peronista (também chamado de “Justicialista”).
Deputados desse partido apresentarão um projeto de lei nos próximos dias para repatriar o corpo de Borges. A idéia é trazer o corpo de Borges antes de agosto, quando completam-se os 110 anos de seu nascimento.
Kodama afirmou enfurecida: “ninguém me consultou sobre isso. É uma falta de respeito”.
Paradoxalmente, Borges poderia ser repatriado graças à seus antigos inimigos, os seguidores do general e presidente Juan Domingo Perón. O escritor costumava dizer que os peronistas “não são bons, nem ruins...são incorrigíveis!”.
Os “incorrigíveis”, em 1946, para humilhá-lo, destituíram o autor de “Ficções” e “História Universal da Infâmia” do posto de diretor de uma biblioteca e o colocaram no cargo de “inspetor de galinhas e ovos” nas feiras.
Incorrigíveis, mas pragmáticos. Os colunistas das páginas culturais destacam que os peronistas preferiram esquecer as velhas rixas de lado e apostar no prestígio político (há eleições parlamentares em outubro) e no colossal business que seria ter Borges, ícone da literatura, enterrado em Buenos Aires.

A lápide do atual túmulo de Borges no genebrino Plainpalais ostenta uma parafernália de símbolos, tal como uma nave viking, guerreiros com lanças, uma cruz de Gales, seu nome completo, além de uma legenda em anglo-saxão:“And ne forhtedon na” (“E não deverias temer”).
Segundo a amiga e ex-colaboradora de Borges, a escritora e ensaísata María ester Vázquez, “essa legenda é uma fútil recomendação para alguém como Borges. Seu desejo, expresso em seus versos ‘Só peço as duas abstratas datas e o esquecimento’ não foi levado em conta. Este túmulo en Plainpalais tem uma lápide curiosa e complicada. A única coisa que falta ali...é uma frase da Mafalda!"


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