terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

CASAMENTO PARAGUAIO-GENEBRINO


Borges e Maria Kodama

No final de 1985, os argentinos ficaram estupefatos com a notícia de que Borges havia partido para a Suíça para nunca mais voltar. Mais surpresos ficaram ao saber que havia se casado com Kodama, 40 anos mais jovem que ele. A saída foi às pressas, e Borges mal pode se despedir de seus amigos, de quem Kodama já o estava isolando nos últimos meses.
Antes de morrer, em junho de 1986, preparou um novo testamento, modificando radicalmente o anterior. Na versão antiga, Borges que não teve filhos, deixava quase tudo à sua irmã e sobrinhos e a Fanny Uveda, sua fiel governanta durante quatro décadas, que hoje está na miséria. Na nova versão, Kodama transformou-se na única herdeira, a quem foi destinada todo o dinheiro, direitos de autor, objetos de arte e manuscritos. Mas apesar de casados, no testamento Borges definia Kodama como “a boa amiga”.
Um cônsul – supostamente trambiqueiro, de acordo com os amigos de Borges - é o outro elemento deste imbroglio fúnebre: ele é Gustavo Grament Berres. Cônsul paraguaio em Genebra, teria sido o encarregado de legalizar o casamento por procuração de Borges e Kodama, registrado no minúsculo e desconhecido vilarejo de Colonia Rojas Silva, Paraguai.
A procuração para a realização do casamento foi enviada de Buenos Aires quando Borges e Kodama já estavam em Genebra. Mas atualmente não há nenhum registro nem pistas desse documento.
As suspeitas sobre o casamento dos dois aumentam quando se conhece o passado do cônsul. Gramont Berres sustenta que foi designado embaixador especial pelo ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner em 1983.
No entanto, não possui qualquer documentação que o prove. Além disso, seu nome original é outro e definitivamente borgiano: Benjamin Levi Avzarradel, que teria nascido na Argentina, mas adotado por um casal de uruguaios na tardia idade de 29 anos.
Em 1991 foi detido nos EUA acusado de falsificação de documentos, e, à pedido da Suíça, foi extraditado para ali. O governo paraguaio sustenta que o problema não é com ele, já que não reconhece Grament Berres nem como cônsul nem como cidadão. No entanto, ao cônsul não lhe faltam fotos em roupas de gala com o ex-ditador Stroessner e o falecido caudilho espanhol Francisco Franco.
'Megera' ou 'megera plus': amigos de Borges dividem-se sobre epítetos a aplicar à víuva do escritor

A possibilidade de que o casamento de Borges e Kodama tenha sido falso soma-se à possibilidade de que possa ser anulado: o escritor casou-se nos final dos anos 60 com Elsa Astete. O casamento durou três penosos anos, e, como até fins dos anos 80 o divórcio não existiu na Argentina, Borges somente pode obter a separação de corpos e bens.
Elsa pouco pode opinar sobre isso, já que está esclerosada, internada em um asilo. Ou seja: o casamento com Kodama não é reconhecido pela lei argentina, e dependendo da veracidade do casamento via Gramont Berres, correria o risco de tampouco ser reconhecido pela lei do Paraguai e Suíça.
Se nunca se casaram (ou se o casamento não é válido), que direito teria Kodama de decidir o enterro em Genebra e insistir na permanência do autor de “O Aleph” nessa cidade? Os “direitos” de Kodama sobre Borges estão sendo discutidos em todos os aspectos, mesmo o da vida íntima.
Segundo diversas testemunhas, Kodama nunca viveu na mesma casa de Borges em Buenos Aires, e nas inúmeras viagens que realizavam, sempre dormiam em quartos separados. Uma dedução generalizada é que Borges, sozinho e com medo de morrer dependendo de outros para suas necessidades mais básicas, aceitava tudo o que Kodama lhe impunha.
Dentro do contexto de revisar o lugar definitivo de descanso de Borges também está sendo analisado o desejo expresso em suas poesias de ser enterrado em Buenos Aires, no mausoléu da família, no aristocrático cemitério da Recoleta. Em “O Fazedor”, escreve o verso “Quando eu esteja guardado na Recoleta / em uma casa cor de cimento”. Em “Fervor de Buenos Aires”, categoriza: “Estas coisas pensei sobre a Recoleta / o lugar de minhas cinzas”.
Outro fator que reforça a teoria de que Borges pretendia ser enterrado na Argentina é que em 1982 deu uma procuração à sua amiga Sara Kriner para proceder com sua cremação após sua morte. Um ano antes de morrer Borges chamou o zelador do cemitério para que lhe fizesse um orçamento para preparar o mausoléu na Recoleta para um lugar para suas cinzas. Os papéis dos orçamentos estavam archivados e recentemente foram apresentados à imprensa.
Também estão sendo levados em conta os depoimentos de amigos, como de Maria Ester Vázquez, que sustenta que pouco antes da partida para a Suíça, Borges gritava “não quero ir embora! Se eu for, morrerei lá!”.

Kodama me disse em 1995 que Borges 'adorava os Rolling Stones'; em 2006, a amiga e colaboradora do escritor, a ensaísta María Ester Vázquez, me comentou essa declaração: "Que ele gostava dos Rolling Stones? É uma bobagem colossal!"

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